segunda-feira, 7 de julho de 2008

Falta de chá(rme)

Ouvido hoje no comboio, a três bancos de distância:
Fulana: ah, e tal, porque estranhei não me vir o período. É que já há ano e dois meses. Já viste? é muito tempo. É que eu tenho o implante e acho que é normal. Mas olha, veio ontem.
Outra fulana: mas não te doeu a por o implante?
Fulana (mostrando o braço): não, não, não doeu nada. O aparelho é que me doeu quando mo enfiaram (sic!), isto não, nem se nota nada, estás a ver (mostra o braço reboludo e passa a mão por cima, orgulhosamente)...
Felizmente a minha paragem estava próxima e deixei de ter a poluição sonora no meu campo auditivo.
Há coisas que se calhar não me deviam chocar. Mas chocam-me. Chocam-me estas pessoas que se expressam para uma audiência de largas dezenas de desconhecidos sobre assuntos que só a elas dizem respeito e que, se dois palminhos de testa tivessem, guardariam para uma conversa mais intíma, em local mais apropriado. Uma coisa é ouvir falar mal do colega a ou b, criticar o treinador do benfica, debitar todas as marcas de fraldas de bébés e respectivos preços em cada hipermercado, ou dar detalhes sobre a consistência das fezes da criancinha doente; é um facto universalmente aceite que quando estamos num transporte público, e não temos mp3 (no meu caso porque não consigo não cantar e as pessoas também não têm de levar com a minha cantoria, especialmente se nem sequer me pagam), temos de gramar com as conversas dos outros. Há conversas parvas, mas que até são engraçadas. Muitas vezes dou por mim a ter de puxar o meu livro mais para cima para poder abrir o sorriso sem dar nas vistas. O pior é quando as conversas não são em surdina e são, manifestamente, inconvenientes. Detesto a vulgaridade deste tipo de diálogos. Bem como a vulgaridade de quem diz três palavrões a despropósito em cada frase, alto e bom som. Detesto a vulgaridade. Não sou pudica, mas detesto a vulgaridade. Pronto.
Também detesto as tardes televisivas da RTP1. É uma mudança radical de assunto, mas acaba por ter a ver com a falta de escolha, e o ter de gramar com o que nos dão.
Estava eu placidamente a zappar no sofá da mummy, depois de um sábado e domingo de manhã extenuantes de limpezas profundas e jardinagem , quando me deparo com o directo 'Barrigas de Amor'... A Tânia Ribas conversava com o Francisco Mendes, que explicava que era muito importante para uma mulher que o pai da criança assistisse ao parto. A sério??? Nunca teria imaginado! Percebi depois que havia um meeting de grávidas algures num parque em Oeiras. Vislumbrei depois umas quantas, com as barrigas proeminentes pintalgadas com uns arabescos que não consegui perceber, e ostentando o nome do futuro rebento. Até aí, tudo bem. Cada qual faz o que quer. A mim não me apanhavam numa destas, porque, como disse lá em cima, há coisas que são minhas. Por muito orgulho que tivesse na minha proeminente barriga, suspeito que não a exibiria assim. Suspeito. Acho lindamente que façam estas confraternizações e tudo mais, e até deve ser divertido vermo-nos no meio de tantas outras pessoas que partilham o mesmo anseio, a mesma espera, até deve ser interessante trocar experiências com absolutos estranhos... mas têm de fazer um directo sobre isso ao domingo à tarde? O que é que as gravidezes alheias interessam às pessoas que estão em casa e não estão de esperanças? Ainda é pior do que as quatro horas dedicadas à viagem da selecção. E de uma insensibilidade extrema, atrevo-me a dizer. Há temas que não se deveriam colocar em espectáculo. Há pessoas que desejariam estar no estado de graça dos participantes naquela confraternização e não podem, por diversos motivos. Como fica o humor dessas pessoas, que estão a tentar ter um bébé e não conseguem, com um directo sobre barrigas alheias? é impressão minha, ou agora é o vale tudo, e estamo-nos nas tintas se ferimos susceptibilidades dos contribuintes que até pagam as emissões? Desculpem lá, sou eu que sou chata e exigente, ou andamos a levar com lixo televisivo e inconsciência a mais? De uma estação privada, seria normal. De um canal público é, quanto a mim, inaceitável.
Obviamente, tive a escolha de não continuar a ver e exerci-a com grato prazer. Acabei, por falta de paciência e manifesta dor nos dedos, a ver outro lixo televisivo, na M6. Um casal que ganhou uma viagem no Queen Mary II e nos ia debitando as suas impressões de viagem. Pobres, como o espírito deles. Eles eram do mais boçal que se possa imaginar, completamente deslocados naquele ambiente selecto, perdidos no inglês obrigatório a bordo. Especialmente ela, cuja única ambição era ser fotografada com a sua farda de carteiro em frente ao paquete. Apesar do triste espectáculo a que aquelas pobres almas se prestaram para a M6, que também sabe explorar, e de que maneira, a fragilidade dos participantes nos programas, continuei a ver o programa pelo lado cultural da coisa. Como não tenho os 3600 euros mínimos para embarcar naquele paquete, pelo menos aproveitei para conhecer o barco, as funções dos tripulantes e as diversas actividades que lá existem, dos bailes aos leilões de obras de arte. Parco programa cultural, dirão. Não contesto; ainda assim foi melhor do que ouvir o Emanuel a cantar para uma plateia de grávidas.
(Nota mental: mãe, vou comprar-te um leitor de DVD!)

17 comentários:

  1. livre arbítrio. é um direito conquistado por gente que ao longo dos séculos, foi perseguida, torturada e morta para que tu tivesses a possibilidade de mudar de canal televisivo com um dedo no telecomando... só de ler a tua descrição fiquei enjoado...

    em relação ao comboio... o povo anda a baixar o nível e isso é porque as suas referências culturais são as dos canais que tiveste a ver com uma careta...

    beijinhos miaus

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  2. pois...o nível vai baixando...baixando baixando e só me pergunto quando irá parar!!! Eu já ouvi conversas que me puseram desconfortável e eu não tinha nada a aver com o assunto...lol
    (devo ser eu que sou sensível e não as pessoas que são desbocadas e não protegem a sua intimidade nem respeitam o espaço dos outros...lol)

    Quanto á tv é por essas e por outras que eu quase não vejo televisão...

    Beijocas e uma excelente semana

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  3. Além de incoveniente, não se percebe do que falam...

    Tb dei com esse das barrigas na um,comentei, olha, agora juntaram as barrigas todas e fizeram um especial barrigas. Para quem está de bébé, aquilo é giro,até porque as gravidas adoram partilhar impressoes com outras gravidas (tenho varias amigas gravidas, e é só conversas de bebes, mas não me queixo porque acho piada lol). Mas para quem não está, não pode ou não consegue, é como tu dizes.
    Mas, felizmente tens o poder de ignorar e mudar de canal! =D se bem que os outros...
    M6? que é isso?

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  4. E no entanto, se fores ver, a maior parte das pessoas tem acesso ao cabo, actualmente. A canais como o História, Odysseia, People and Arts etc...Não é por falta de opção, é por falta de vontade. E isso é que é muito grave. E a televisão pública, que podia pelo menos tentar inverter a tendência das coisas, só se torna cada vez mais inútil como veículo cultural. é que não há nada que se aproveite tirando a informação e os concursos de cultura geral que, apesar de serem chatos pela eternização do tempo concedido aos concorrentes (ceús, não há paciência. Ou responde ou não. Ou sabe ou não. Gaita!)sempre acrescentam alguma sapiência às almas que a eles assistem. Isto se não o fizerem só por estar a apreciar a roupa do apresentador...
    Beijinhos descrentes na elevação do nível

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  5. Ka: partilho do teu receio e da tua opinião. Não te preocupes, o problema não é definitivamente nosso, mas sim 'dos' que não se tocam mesmo.
    Eu confesso-me adepta do vil quadradinho. ;) Mas selecciono o que vejo com algum cuidado.
    Beijos

    Vani: M6 é um canal francês. às vezes tem coisas engraçadas, se bem que o valor acrescentado possa ser zero. É entretenimento, mas mais cuidado. E depois, é francÊs, logo, sinto-me mais perto das minhas raizes...mas têm programas engraçados sobre como educar cães, mas numa perspectiva de reality show. É lixo, mas digamos que é reciclado. MAis selecto. E não choca ninguém, pelo menos.

    Beijinhos

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  6. Quando não sabem o que passar já tudo vale. Por essas e outras é que deixei de ver tv tuga, quando não são as novelas, são esses programas no mínimo estranhos.

    Quanto às conversas de estranhos que parecem querer que todos saibam das suas vidas, por que é que em 99,9% dos casos são mulheres! :P

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  7. Psycho: podes crer, não se aguenta. E acho que por uma vez tenho de te dar razão: acho que há mesmo mais mulheres que têm conversas a despropósito. Quanto ao porquê disso acontecer, já não te posso esclarecer. Eu sou um túmulo e nem ao telemóvel falo quando tenho assistência. nunca gostei de mirones...nem 'ouvirones'
    Beijinhos

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  8. Para quem não consegue (ainda) ter filhos, e não é masoquista, a solução é obvia: passar a tarde fora de casa e nem ligar a televisão. Se bem que eu tenho uma teoria sobre esse programa: as taxas de natalidade estão a diminuir tão drasticamente que "eles" querem que as mulheres se interessem mais pela maternidade, para bem da continuação da espécie. E sai mais barato fazer um programa de televisão do que aumentar os incentivos à natalidade ou construir mais creches e alargar o horário das mesmas.
    Oferecer um leitor de DVD à mummy é muito boa ideia :)

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  9. o canal que ligo automaticamente em primeiro lugar é o história...

    bjinhos miaus

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  10. E as conversas (ou metades de conversa) que se ouvem de quem fala (grita) ao telemóvel!? E então se a pessoa em causa usar auricular é um prato cheio, com direito a gestos e a um comportamento que há uns anos atrás daria direito a entrada em hospital psiquiátrico :-)
    A tv é um vício terrível, mas com a inveção dos gravadores de imagem muito melhorou, mesmo quando não há cabo, há sempre a possibilidade de gravar a programação que a rtp2, por exemplo, passa a horas pouco cristãs para ver no(s) dia(s) seguinte(s).
    Boa semana

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  11. depois dela dizer que há já 1 ano e 2 meses que nada e que tem o aparelho dá ideia que ela estava á procura de ofertas...

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  12. Rosa: sim, a ideia até pode passar por aí, mas não me parece que seja esse o caminho. É uma questão de fundo, que só agora se começa a notar, fruto da visão em túnel habitual. Com a emancipação da mulher e o facto de estarem abertas às mulheres as mesmas oportunidades de carreira(vamos fazer de conta que sim) criou-se um hiato de disponibilidade para a maternidade. As mulheres têm de provar mais do que os homens, logo, têm de estar mais disponíveis se querem ter hipóteses de ascender. Quando não é apenas hipótese de conseguir o emprego, face a candidatos homens. Existe ainda a discriminação com base no útero. E é claro, uma mulher que deseja ser independente e ter um trabalho (eventualmente, uma carreira) e não ter de depender de um marido ou de um amante, como acontecia há não muitos anos atrás, tem de 'sujeitar-se' às leis do mercado e vai retardando a maternidade porque senão fica fora do jogo. Há excepções, mas são poucas. Por isso, esta questão toda da natalidade é uma hipocrisia do caraças. Diz o governo (todos, não só este): Tenham bébés, que interessa ao país! e pensa, sem dizer: 'mas reduzam-se depois à vossa insignificância de parideiras enquanto colocamos jovens licenciados mais jovens e disponíveis a fazer o vosso lugar e vos olhamos depois de soslaio quando saiem à hora, ou têm de faltar para ir ao médico ou ir às festinhas da escola...!' O senhor presidente devia pensar nestas coisas antes de pedir à malta para ter filhos. Não sei, digo eu, que não os tenho, mas por motivos que nada têm a ver com carreira. A minha escolha seria clara: a carreira que se lixásse! E se mais gente pensasse assim, de certeza tínhamos miudos mais sãos de cabeça. Mas para isto acontecer era preciso que o governo pensasse em reformas de fundo. E isso, claro, dá muito trabalho.

    Rocket: isso soma um ponto no meu safirómetro! ;)

    Paulo: olá, olá, como está? Bons olhos o leiam! E os miudos da escolinha (secundario) que berram como cabras loucas aos nossos ouvidos e em vernáculo? muito bom!
    Eu já desisti de gravar, depois não tenho tempo para ver... :( mas regalo-me com o National Geographic na 2, que passa a horas decentes, todos os dias por volta das 21h. E logo a seguir ao Friends, que é entretenimento de mão cheia.
    Beijinhos e obrigada pela visita

    Vício: posso tentar ver se a vejo de novo e dou-lhe o link do teu sítio. Se o género 'tanque de combate' entra nas tuas fantasias, apita ;)
    Bjs

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  13. Assim que vi a palavra frances lembrei-me logo do M6 =)

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  14. Safira, claro que estava a brincar um pouco com a questão do programa, mas concordo com tudo o que mencionaste, as mulheres escolhem ter filhos cada vez mais tarde (algumas até porque temem perder o emprego), há mulheres que já não têm receio de assumir que não querem ter filhos (e estão no seu pleno direito), e há casais que gostaríam de ter mais filhos mas não têm condições financeiras para tal (já para não falar nos 500.000 casais infertéis). Numa perspectiva fatalista, quase me faz lembrar o filme Children of Man.

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  15. Rosa: Sim, eu é que aproveitei a tua deixa e comecei a delirar... é só darem-me corda e lá começo com as teorias ;) Brr...não quero chegar a nada parecido com o Childran of Man...

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  16. Safira, não começaste nada a delirar, disseste as palavras correctas e puseste o dedo na(uma das) feridas deste rectângulo junto ao mar :)

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