‘O Rouxinol e a Rosa’, de Oscar Wilde, é um conto delicioso. Lembro-me de o ter lido pela primeira vez sentada no parapeito da janela da casa onde a minha mãe e os meus tios nasceram, no coração da Serra da Estrela, com as pernas a balouçar no vazio e a serra verdejante em redor. Lembro-me de ler as últimas linhas com as lágrimas já a correr, pois se hoje sou muito maricas, na altura, ainda cheia dos romantismos e ilusões dos verdes anos, era dez vezes pior. Refinei-me. A minha sensibilidade agora é diferente. Tive a prova disso há pouco...
Apeteceu-me – misteriosos são os desígnios da falta de pachorra para análises de tesouraria– reler o conto. Fui à net...
É certo que o ambiente de leitura foi outro, que a concentração foi diferente, e que a tradução que encontrei não é das melhores e não tem nada a ver com a pungência do original em inglês, mas, seja como for, não chorei. Fiquei contemplativa, mas não chorei. Nem uma lagriminha se assomou aos meus massacrados olhinhos castanhos. E no entanto, o crescendo dramático, não se alterou. A triste ironia do final também não. Pensei...pensei...pensei....o que mudou?
Mudou a minha simpatia pelo Rouxinol. Ora vejam:
"Se queres uma rosa vermelha", disse a Roseira, "tens de criá-la com tua música ao luar, e tingi-Ia com o sangue de teu coração. Tens de cantar para mim apertando o peito contra um espinho. A noite inteira tens de cantar para mim, até que o espinho perfure teu coração e teu sangue penetre em minhas veias, e se torne meu.""A Morte é um preço alto a pagar por uma rosa vermelha", exclamou o Rouxinol, "e todos dão muito valor à Vida. É agradável, no bosque verdejante, ver o Sol em sua carruagem de ouro, e a Lua em sua carruagem de madrepérola. Doce é o perfume do pilriteiro, e as belas são as campânulas que se escondem no vale, e as urzes que florescem no morro. Porém o Amor é melhor que a Vida, e o que é o coração de um pássaro comparado com o coração de um homem?"
Quando li pela primeira vez, achei o sacrifício do Rouxinol o sublime acto de abnegação. Não se podia ser melhor do que isto. Morrer para conseguir obter uma rosa vermelha para o rapaz levar a sua prometida ao baile. O Rouxinol era um valente, que se sacrificou por um objectivo maior, que nem sequer era seu. ‘Meu Deus!’, pensei, - ‘como o Rouxinol é maravilhoso. Quando for grande quero ser nobre como este Rouxinol’. Isto num exagero lírico da adolescência, como é evidente. Mas também num triste prognóstico de dias menos bons que se avizinhariam. Dias em que já não pensava há muito. Flashbacks descompassados, que nos tomam de assalto o espírito num despropositado imprevisto.
Hoje reli o conto e achei o Rouxinol... um atrasado mental. Na verdade, apeteceu-me espancá-lo. Como se atreveu a considerar-se menos importante do que um estúpido rapaz que acabou por deitar fora a rosa de sangue, sem um pensamento para o pássaro sem vida a seus pés? Como se atreveu a privar a floresta do seu canto e alegria por tão miserável paga? Porque foste tão parvo, pobre infeliz?!
Isto deixou-me, primeiro, triste. O desperdício complica-me com os nervos. Depois, fiquei zangada, pois realizei que ainda existem demasiados rouxinóis neste mundo, a deixarem o seu trinado morrer, por um punhado de migalhas ou menos. E isso, enfureceu-me!
Apeteceu-me – misteriosos são os desígnios da falta de pachorra para análises de tesouraria– reler o conto. Fui à net...
É certo que o ambiente de leitura foi outro, que a concentração foi diferente, e que a tradução que encontrei não é das melhores e não tem nada a ver com a pungência do original em inglês, mas, seja como for, não chorei. Fiquei contemplativa, mas não chorei. Nem uma lagriminha se assomou aos meus massacrados olhinhos castanhos. E no entanto, o crescendo dramático, não se alterou. A triste ironia do final também não. Pensei...pensei...pensei....o que mudou?
Mudou a minha simpatia pelo Rouxinol. Ora vejam:
"Se queres uma rosa vermelha", disse a Roseira, "tens de criá-la com tua música ao luar, e tingi-Ia com o sangue de teu coração. Tens de cantar para mim apertando o peito contra um espinho. A noite inteira tens de cantar para mim, até que o espinho perfure teu coração e teu sangue penetre em minhas veias, e se torne meu.""A Morte é um preço alto a pagar por uma rosa vermelha", exclamou o Rouxinol, "e todos dão muito valor à Vida. É agradável, no bosque verdejante, ver o Sol em sua carruagem de ouro, e a Lua em sua carruagem de madrepérola. Doce é o perfume do pilriteiro, e as belas são as campânulas que se escondem no vale, e as urzes que florescem no morro. Porém o Amor é melhor que a Vida, e o que é o coração de um pássaro comparado com o coração de um homem?"
Quando li pela primeira vez, achei o sacrifício do Rouxinol o sublime acto de abnegação. Não se podia ser melhor do que isto. Morrer para conseguir obter uma rosa vermelha para o rapaz levar a sua prometida ao baile. O Rouxinol era um valente, que se sacrificou por um objectivo maior, que nem sequer era seu. ‘Meu Deus!’, pensei, - ‘como o Rouxinol é maravilhoso. Quando for grande quero ser nobre como este Rouxinol’. Isto num exagero lírico da adolescência, como é evidente. Mas também num triste prognóstico de dias menos bons que se avizinhariam. Dias em que já não pensava há muito. Flashbacks descompassados, que nos tomam de assalto o espírito num despropositado imprevisto.
Hoje reli o conto e achei o Rouxinol... um atrasado mental. Na verdade, apeteceu-me espancá-lo. Como se atreveu a considerar-se menos importante do que um estúpido rapaz que acabou por deitar fora a rosa de sangue, sem um pensamento para o pássaro sem vida a seus pés? Como se atreveu a privar a floresta do seu canto e alegria por tão miserável paga? Porque foste tão parvo, pobre infeliz?!
Isto deixou-me, primeiro, triste. O desperdício complica-me com os nervos. Depois, fiquei zangada, pois realizei que ainda existem demasiados rouxinóis neste mundo, a deixarem o seu trinado morrer, por um punhado de migalhas ou menos. E isso, enfureceu-me!
Rouxinol, no more! Sacrificaria o suave trinado pelo grito rouco da hárpia, e o delicado esvoaçar por um par de asas potentes com que espanejaria com fúria todas criaturas oportunistas deste mundo. Usaria as minhas garras afiadas para lhes deixar o peito indelevelmente marcado, em sinal de respeito pelos espinhos cravados no coração de todos os rouxinóis do mundo!
Oportunistas, egoistas, parasitas e demais corja mundana, passai ao largo!... E se ouvirdes um espanejar repentino, abrigai-vos. Que o passaroco do inferno (já) não faz prisioneiros!
(perdoem o desabafo, ando um bocado agastada por estes dias...)
caramba! a mulher está possessa!
ResponderEliminarpois eu cá sou do clube da mana, não vou à bola com pássaros. por isso estás à vontade, estraçalha-os todos!
e depois bebe ume caipirinha a ver se ficas mais bem dispostinha... ihihih
beijinhos!
Maga: Saiem duas caipirinhas, extra fortes, se faz favor! ;)
ResponderEliminarAqui a minha amiga sportinguista teve uma grande ideia!
Beijinhos
Safira,
ResponderEliminarVim aqui agradecer a sua visita em meu canto soteropoliatano e dizer-te que não tenho ressentimentos,
mesmo!
As vezes um encontro dá-se de forma confusa,mas com a progressão dos dias percebe-se que já estava escrito para que fosse daquele jeito e não diferente.Já espreitei seu outro blog--então gostas de pintar e fazer pontos de cruz?(tenho umas tantas toalhinhas personalizadas em ponto de cruz e adoro)que maravilha!!!--e depois comento com mais calma,porém já digo que amei os quadros que vi por lá e parabenizo pela artista que é.
Já para este...fiquei encantada em saber que ama os felinos.Eu também tenho três gostosuras em casa,e já estou em angústia em ter que deixá-los---pelo menos por enquanto--pois,sei que eles vão sofrer,tanto quanto eu.Tenho um que é muito ligado a mim e que até chora quando eu chego em casa(você já viu gato chorar?pois,o meu chora!lol).Mas,aos poucos tudo irá se ajeitando.
E sim,desse lado ainda se fala "jururu",mais ainda na Região Nordeste que é onde fica Salvador da Bahia--a minha Soterópolis!-Desculpe-me se a fiz sentir-se assim,mas existem certos movimentos que temos que fazer sempre,senão viramos estátuas vivas na vida,pois não? E eu ando sempre a fazer a "rotação e translação" sempre que posso,pois como disse tenho algo em mim-que não sei explicar--que inquieta-me.
"A insustentável leveza do ser"!Ah! Esse livro fala-me tanto!Bebo cada palavra,sorvo até não poder mais e volto,volto sempre a ler com gosto!
Seja super bem vinda ao -P'ra Te Ter Aqui-também agreguei ao meu,o seu espaço e espero que com isso estejamos selando o começo de uma belíssima e grandiosa amizade.
E sendo assim deixo impresso o meu beijo e cheiro pra ti.E brindo a nós um super:
FELIZ HOJE!!!!
:))))
Héla!!! Isso tá mau hoje...
ResponderEliminarEu, apesar de tudo, continuo a ter pena do rouxinol.
Lembras-te quando vimos este conto em desenho animado e chorámos baba e ranho???... debaixo da mesa da sala da mãe? na mesma onde brincávamos às meninas perdidas na floresta com o edredon rosa???
Beijocas
prometes mesmo que não fazes prisioneiros?
ResponderEliminarAdorei o conto, que não conhecia.
ResponderEliminarMuito simbólico de um mundo egoísta e interesseiro, em que o ingénuo e lírico rouxinol é apenas um joguete nas "mãos" pouco escrupulosas de todos os bem falantes, que, contudo, são desprovidos dos belos sentimentos que apregoam aos quatro ventos. Denota também algum do cinismo do autor, numa crítica algo velada da sociedade da época. Não tão diferente da actual, como bem se nota!
Se tivesse lido em miúda/adolescente, se calhar também acabaria num mar de lágrimas (isto deve ser do signo que partilhamos). ;) Mas mesmo assim a atitude nobre e altruista (se bem que ingénua e lírica) do rouxinol não me parece de todo criticável. Insensíveis parecem ser o estudante, a filha do professor, a própria rosa, que para florir, não se importa de sacrificar o pássaro...
Carpe diem! (e se for para acabar o dia em paz, porque não uma caipirinha?) :)))
Beijocas!
estás uma verdadeira...gata!
ResponderEliminaré um belo conto, mas cruel como a vida... e o seu propósito é exactamente esse, criar uma beleza extrema para depois a destruir...gosh, o wilde é mesmo bom...
bjinhos miaus
piupriuprrriupiupiu
O rouxinol do conto era pouco parvo, era. Mais, essa de espetar coisa bicudas no nosso corpo para satisfazer o desejo de rapazes, não sei, cheira-me a rotice encapotada.
ResponderEliminarDeve ser da idade, mas dei comigo a pensar, de imediato, estúpido do pássaro!!!! Mas sabes para quem foi o meu ódio todo??? Para a estúpida da rosa!!! acha-se assim tão importante e com tanto significado que tem de matar quem a tenta colher??
ResponderEliminarSabes, engraçadamente, o meu piri-canito (o gajô) foi enterrado debaixo de uma roseira. Ainda tenho a foto de uma dessas rosas. Vermelhas...
Não há desculpas a pedir, só a ti mesma. Se achares que deves,claro. A escrita é uma catarse, ajuda-nos a perspectivar sentimentos e pensamentos.
ResponderEliminarE misteriosos são os designios da mente, porque este ou aquele episódio, pelo pormenor mais insignificante, nos relembram flashbacks do passado.
Mas, sabes, relembrar e aprender é uma coisa. Reviver todos esses sentimentos passados é outra e nõ é saudável.
Saem já duas caipiroskas!!! =DDD
Olha, que coisa curiosa!
ResponderEliminarEste ano no Dia Mundial do Livro Infantil, foi lá à minha escolinha um contador de histórias que contou exactamente esse conto. Os garotos choraram baba e ranho. As minhas colegas acharam que era um conto demasiado triste para aquele dia festivo, realmente podia ter escolhido outro.
Eu adorei!Já sabes que sou muito dada a essas coisas que chamam ao coração e sou tb altruísta como o rouxinol, não tão parva...mas dada a sacrificios por quem eu acho que merece.
Infelizmente a vida tem me mostrado que esses sacrificios de nada servem...
Estou a aprender a ser menos...nem sei que palavra utilizar...tola? parva? anormal? Sei lá!Enfim...
Mas obrigada por me teres feito recordar esse momento.
bjs
P.S.-Ah, a meio do conto, um garoto gritou :"Ó senhor, não deixes o passarinho fazer isso!"
Como é bom ver a inocência nos olhos de uma criança...
Kátia: Obrigada pelo teu comentario enorme. Adoro comentários enormes, sinto-me menos mal de deixar também uns testamentos nos blogues dos amiguinhos de vez em quando.
ResponderEliminarSim, adoro tudo quanto seja manualidades, não consigo não ter um projecto entre mãos...
Que engraçado falares em inquietude. Tem sido a palavra chave da semana. A cada pessoa que me pergunta 'o que é que tens' respondo o mesmo: 'não sei, estou desinquieta, em desassossego'. Há pontos de viragem nas nossas vidas e pressinto um, mas não consigo perceber de onde virá...
Estamos comcerteza, Kátia. E talvez possamos selar este encontro com uma caipirinha um dia destes, deste ou desse lado do Atlântico.
Feliz Hoje para ti também!
Grande beijo
Mana: Então não lembro? Esse, o da borboleta, as casinhas na pradaria, o Bell e Sebastião. Que maricas do caraças que éramos, não? ;)
Beijocas
Vício: no mercy, meu caro!
Teté: Decerto a rosa (a interesseira), o estudante (o palerma), a filha do professor(a cúpida) são tipificaçoes de personagens censuráveis. Mas concentrei-me no rouxinol para demonstrar que, como infelizmente, no fim das contas, só podemos mesmo contar connosco, há que abrir o olho e não nos deixarmos comover demais para facilitarmos a vida a outrém, quando corremos grandes riscos de nos perdermos a nós. Sinais dos tempos, creio eu.
Enfim, este assunto dos interesses e calculismos causa-me arrepios...e entristece-me bastante.
Sai a caipirinha, mesmo! ;)
Beijinhos
Rocket: gata, sim, mas brava. Ando a afiar as unhas...
Wilde era muito bom. E as suas ironias eram sem dúvida reflexo dos 'tormentos' passados com uma encapotada homossexualidade que acabou por valer-lhe o exílio quando foi descoberta. Naquele tempo a sodomia dava cadeia.
Beijinhos
(epá, e agora? Qual é a onomatopeia para uma hárpia??? Devia ter escolhido um bicho mais fácil de imitar!)
Rafeiro: o Wilde era boiola... ;)
Vani: Não sei se a rosa é a pior interveniente. No fundo ela só procedeu a uma troca: precisava do sangue para fornecer a rosa. Era escolha do rouxinol mandá-la à fava...por isso é que o achei um tolo!
É inútil, sim, relembrar o passado a não ser que se aprenda. Daí a transformação que se tem vindo a operar: já fui mais rouxinol do que sou. Já vi muitos estudantes, muitas rosas, muitas filhas de professor...Não tenciono picar-me muito mais vezes por quem não se picaria por mim ou por alguém que me fosse precioso. Temos pena, mas já demos para esse campeonato. ;)
Beijocas
PS: e a morangoska, que ainda não consegui provar??? Que nervos! Nunca há quando peço. Que sina a minha!
Zabour: muitos dos contos que supostamente são para crianças poderiam perfeitamente destinar-se aos adultos. Este, 'O principezinho', e até mesmo os contos infantis de Andersen, Grimm e afins...Há sempre uma mensagem que as crianças são demasiado pequenas para captar, mas que os adultos identificam perfeitamente. O ideal seria serem os próprios pais a contar esses contos, e a debatê-los depois. Mas isso seria num mundo perfeito, certo?
beijinhos