sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Gérard de Villiers

Teria talvez uns 13 ou 14 anos quando comecei a dedicar-me às prateleiras de livros ditos ‘de adulto’ deixados pelo meu pai. Lidas as colecções d’Os Cinco, d’ Os Sete, das Gémeas no Colégio de Santa Clara, mais uns quantos romances de algibeira com nomes bonitos (Aubépine, La Roche au cerfs, que li não sei quantas vezes), a Enciclopédia Médica do Reader’s Digest (sim, eu lia enciclopédias, e depois?),  A Vida na Terra do Attenborough, e mesmo a Bíblia ilustrada, fiquei, pasme-se, sem nada para ler. No desespero, fui à estante dos livros-que-aparentemente-são-uma-seca-descomunal-sem-qualquer-interesse-para-o-comum-mortal ( por terem capas com um 'certo' aspecto)
e peguei num, mais ou menos ao calhas. Já não posso jurar qual dos títulos me tornou numa Villiers junkie, mas sei que papei todos os que tinha.  E eram muitos, pelo menos todos os publicados até 1980, altura em que regressamos a Portugal e o meu pai deixou de acompanhar a saga do Prince Malko, agente secreto da CIA, de olhos dourados, choruda conta bancária e talentos de sedução que fariam James Bond corar de vergonha. O que tinham de extraordinário os livros de Gérard de Villiers? Para já, histórias de espionagem internacional muito bem urdidas, com aturada pesquisa, contextualização para totós (como eu era na altura, antes de me tornar no ser superior que sou hoje, claro). Depois, factor que desde logo me cativou, o requinte de malvadez com que eram pintadas aqui e ali cenas de assassínio, torturas, etc. Umas das que me marcou foi a candura com que o traficante panamiano convidou a sua vítima o seu compincha dealer para um mergulho numa piscina límpida e cristalina. Impagável o  detalhe com que Villiers nos explica o horror incrédulo do pobre homem quando mergulha e sente os primeiros pedaços de pele e carne a cair... Atão e perquêi??? Perque a piscina límpida e maravilhosa era uma piscina de ácido! Quem é que se lembraria de ter um chefe mafioso com uma piscina de ácido no quintal, senão Gérard de Villiers?
Por tétrico que possa parecer, também havia lugar ao sentimento. Pois que o Princípe Malko Linge também era um homem dado à sensibilidade, pois que também sofria quando, não raras vezes, a mocita com quem mantinha tórridas ligações carnais sucumbia aos ferimentos de uma bala perdida ou era entregue a outro destino igualmente fatídico (fosse ele qual fosse, porque o Príncipe tinha uma namorada fixa, pontas soltas e mocitas assolapadas globo fora é que não, que a bela (sim, para Gérard de Villiers só os maus é que são feios) Alexandra não ia gostar...

Tenho para mim que o Príncipe Malko era um pouco o alterego do seu criador que  ontem nos deixou, aos 83 anos. Li a notícia com a tristeza que marca sempre o desaparecimento de alguém, mas sobretudo com nostalgia. Há anos que não pensava nestes livros que há muito encaixotei na garagem. E não sei se exagero ou não, mas, se na altura me tivessem posto o Harry  Potter à frente, não teria trocado.  Não mesmo...

A lata das pessoas é uma coisa que não tem explicação

Oito e picos da manhã. Perdido o comboio por escassos 35 segundos, e com dez minutos de espera pelo próximo, dirijo-me ao café da estação para aumentar o meu perímetro abdominal com calorias absolutamente escusadas. Noto que se assoma ao meu lado, ao balcão, uma senhora muito agitada, mas não lhe ligo mais do que o necessário, esperando placidamente a minha vez. Que chega, finalmente. Eis que peço ao rapazinho o meu bolinho para levar. Mas antes de conseguir acabar a minha frase, a hiperactiva ao meu lado começa a bater com uma moeda em cima do balcão e vá de dizer (ao empregado, preciso) 'Olhe desculpe, posso só pedir duas bolinhas que senão perco o comboio e só tenho de hora a hora?'.
E que acham que aconteceu? Pois que o empregado vá de largar tudo e ir atender a senhora. Virei-me para lançar o meu olhar de profundo desdém à criatura, assim como quem diz 'és pouco malcriadinha, ó cabra' porque Deus me livre de sequer perder latim com gente deste calibre. Ainda me pediu 'imensa desculpa', o que me fez tanto efeito como um pente a um careca, porque o meu problema já não era com ela, mas sim com o anormal do empregado que, corrijam-me se estiver errada, até podia atender a monga primeiro, mas NUNCA sem pedir-me licença primeiro. Seria pedir muito? Suponho que sim, porque um simples 'obrigada por ter cedido a vez' também foi coisa que não ouvi nem de um nem de outro. Posto isto, estou a fazer uma sondagem: o que deveria ter feito esta vossa dilecta amiga?
a) ter descomposto a apressada hiperactiva e não lhe ter cedido a vez
b) ter descomposto o empregado e ter-lhe dito que não é ele que decide se pode ceder a vez do cliente
c) ter desejado um óptimo dia aos dois e ter ido comprar bolinhos a outro lado.

Era a c), não era? Também acho, mas o raio do bolo estava com tão bom aspecto que calei e amoxei, comprei o estúpido bolo e agora odeio-me profundamente. Para a próxima, bato primeiro e pergunto depois. Just in case. Para não ficar a pensar nisso.  
Mas em calhando ainda vou fazer reclamação no livro, quando for para casa logo à noite.