Aproveitando uma reunião de fim de tarde em Lisboa e o facto desta se ter
realizado mesmo em frente a uma loja que não me paga para fazer publicidade e
que por isso não nomearei ( mas cujo nome começa por ‘M’ e acaba em ‘o’ e tem ‘ang’
no meio), resolvi entrar em busca de um trapinho elevador do astral soturno com
que andamos todos. Fui percorrendo a loja, sem grande entusiasmo, confesso,
porque me irrita solenemente a moda feita para gajas sem curvas, e a
proliferação daquela miséria que são as calças justas, as tais das skinny ou do
slim fit, que só fica bem a mulheres anoréticas que só comem ervilhas. Eu, que
graças a Deus! era capaz de matar por
uma boa pasta e que exibo
orgulhosamente essa característica na pernonga e no rabiosque, não posso usar
essas coisas. Quer dizer, poder, posso. Até mais do que muitas texuguitas
camufladas que se enfiam nos slims e se esquecem que a banhoca sai toda por
cima e andam a fazer figuras tristes como se fossem anunciantes humanos da Michelin.
Eu cá sou muito prática: não me favorece, não uso. Moda ou não moda.
No meu périplo, reparei em dois senhores africanos, espojados num banquinho,
rodeados por duas jovens assistentes da dita loja. Achei o cenário tão exótico
(homens na tal loja foi coisa que nunca vi, nem na secção masculina, por sinal
muuuuuuito fraquinha) que me pus a observar discretamente, fingindo-me
fascinada por uma gabardinas por ali penduradas. Então a conversa era a
seguinte:
- Não, más o que eu queria mêsmo éra uma coisa mais gárida, que elas
pudessi pôr uma bijútaría beránti, e um sápato di sálto alto.
Percebi então que os senhores africanos estavam na verdade a fazer um
shopping para donzelas ausentes e que as
assistentes da loja andavam a esvaziar prateleiras para lhes satisfazer os
desejos, como se estivessem num atelier de luxo. Como achei aquilo tudo muito pindérico, larguei as gabardinas e deixei os senhores
africanos na vida deles e fui provar umas calças. Ficavam bem, embora alguém
deva explicar à tal loja que a mulher portuguesa não mede normalmente 1,80 m e
que escusam de fazer pernas daquele tamanho para depois chegarmos a casa e
termos trabalho de as cortar. Obviamente, esta vossa amiga recusa-se a pagar para que lhe
façam bainhas nas lojas. Sou forreta? Deixá-lo. Era o que mais faltava
ficarem-me com o dinheiro da peça, da alteração da peça e ainda com o tecido
cortado!
Pego nas minhas calcinhas e lá vou para as caixas. Estava uma pessoa a ser
atendida. Passado um bocado, já depois de ter cheirado os perfumes todos e ter
olhado depreciativamente para as bijutarias ali penduradas para tentar os
incautos, comecei a prestar atenção ao que se passava à minha frente: uma
operadora passava freneticamente os artigos que outra lhe ia passando de um
gigantesco monte. Uma terceira estava por ali, suponho que a dar apoio moral. Curiosamente,
só aquela caixa estava aberta. Depois de ver passar 3 horrendas calças leopardo, percebi
que o monte enorme era dos senhores africanos e que a jovem loura à minha
frente devia ser a desgraçada da assistente deles, a quem tinha calhado na rifa
ficar na loja a pagar a conta. Comecei a olhar fixamente as assistentes, a ver
se alguma percebia que havia vida para além dos paralelos 4 a 18. Ignoraram-me
olimpicamente, apesar de eu estar muito visível com a minha gabardina vermelha,
por acaso até comprada naquela mesmíssima loja, há dois anos atrás. Ora eu sou boazinha, mas não gosto
de ser ignorada. Ia começar a barafustar quando me apercebi de que estavam a fazer subtotais. O primeiro foi de €995. O
monte por passar fazia dois do já passado... Olhei para as minhas calças de
€19,90 e percebi que nem que eu fosse a Diana de Gales ressuscitada conseguiria chamar a atenção daquelas almas. Fui por as calcinhas no sítio de onde as tinha
tirado e saí ostensivamente da loja, com a firme intenção de não voltar lá
mais. Mas estou arrependida, que devia ter feito reclamação. As moças,
coitadas, estavam atrás da comissão. Percebo isso. Respeito isso. O que não
percebo é desrespeito por outro cliente pagante. Não teria ficado mal abrirem
uma caixa para os outros clientes pobrezinhos, cujos rendimentos vêm de trabalho
honesto e não têm proventos de diamantes
ou armas ou luvas de empreitadas e não andam a pavonear-se pelas lojas de
Lisboa como se fossem a última coca cola do deserto. Irrita-me solenemente esta
atitude reverencial ao santo tostão dos paralelos 4 a 18 . Santa paciência. Tendes dinheiro, ide à 5ª
avenida que é muito mais fino, não andeis a entropiar a vida de quem só quer
comprar umas calças, senhores!