sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Fartinha, fartinha que estou de gente anormal


Sexta feira.
Consigo entrar no metro apinhado, mas não graças à velha coruja que me crava os cotovelos nas costelas para me passar à frente. A mula posta-se de imediato no recanto da porta, obrigando-me a um exercício brutal de contorção para me conseguir encaixar - a mim, à mala (ou carteira, para quem preferir), ao saco de viagem e ao saquinho da merenda – entre ela e um outro senhor. A custo, consigo extrair do saco o meu livro, e seguro-o com a mão livre que me resta, tentando (debalde) concentrar-me no pungente drama da pequena Anna, geneticamente concebida como armazém de recauchutagem para a irmã mais velha, que padece de leucemia aguda. (O livro - ‘Para a minha irmã’- merece um post exclusivo, pelo que não me alongarei sobre ele agora.).

Estou placidamente a aguardar a paragem seguinte para virar a página quando uma mão sapuda começa a gesticular perto do meu nariz. Leiga que sou na linguagem gestual, especialmente quando gesticulada em hindu, limito-me a percorrer com o olhar o braço que ostenta aquela mão, para tentar perceber se o senhor está a ter algum tipo de ataque epiléptico ou mesmo só a chamar a minha atenção de forma extremamente parva. A carruagem pára. O gesticular intensifica-se e finalmente encontro o olhar do seu dono. Era o senhor que me viu encaixar a minha pessoa, e os sacos todos, mesmo ao seu lado. Na circunstância, até tinha o pézinho encostado ao meu saco de viagem. Rosnou-me um ‘com licença’ pretendendo que eu, já espalmada contra o banco, voltasse a pegar na tralha toda para lhe criar uma passagem pela minha frente. Assim mais ou menos como se a criatura fosse Moisés, e o resto dos passageiros amebas no Mar Vermelho...

E eu até sou uma moça pacífica, mas não me lixem!

Primeiros: abanar os dedinhos a dois cm do meu nariz como se estivesse a afastar moscas não me faz ficar num mood Madre Teresa.

Segundos: Somos bonzinhos, mas não somos capachos: havia muito por onde passar, se o senhor fizesse o imenso sacrifício de dar dois passos para a esquerda e passar por trás de mim, como aliás manda a boa educação.

Terceiros: sem mais argumentos, estou muito farta de gente parva!

Assim, olhei para ele e disse-lhe: 'como vê, tenho aqui um saco e não pode passar. É melhor passar por trás'. E não arredei pé, que era o que mais me faltava.

E ele rosnou, mas amochou. Pelos vistos conseguiu sair e foi à vida dele, o estupor.

E é isto que eu tenho de aturar. Para quando a minha beatificação???

9 comentários:

  1. Eu, que já não ando em transportes públicos há muitos anos (e se eu andar não será à hora de ponta, Deus me livre !), gostei imenso de reviver os momentos em que , quando era mais nova :D, andava...

    Tens talento de realizador, minha querida. Não só a tua vida dava um filme como ficavas lindamente atrás da câmara...e porque não também á frente ????

    Beijocas

    Verdinha

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  2. Vê lá tu que depois até há gente que prefere o automóvel a perder um expectáculos desses! Tsss...

    Cá no burgo portuense não há só gente simpática! Também abundam os que têm falta de chá. Nós por cá dizemos que as siglas da empresa de transportes públicos da cidade, a S.T.C.P. querem dizer que "Somos Transportados Como Porcos". A bem da verdade esta má fama já vem de longa data e agora até temos alguns autocarros modernaços e em boa quantidade para que sejamos transportados com algum conforto. Mas nem tudo é como a gente quer e na semana passada com a greve que por cá fizeram essa "má fama" voltou a fazer sentido!

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  3. Bom, nos transportes públicos encontra-se gente de todas as espécies, inclusivé aves raras dessas...

    Pessoalmente não ando muito, mas sempre que viajo em transportes públicos aprendo imenso sobre a (má) natureza humana!

    Beijocas!

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  4. Transportes públicos são isso mesmo...públicos. E nem toda a gente tem a noção do que é dividir um espaço comum...

    Beijoca :)

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  5. ..e dá-te por feliz de não te terem gamado a carteira.. :|

    ..ou o gajo ter-te dado um pontapé nos sacos para passar..

    ..ou teres levado um enxovalho verbal carregadinho de impropérios..

    podia-te ficar o resto do dia e mais seis meses a relatar-te possíveis situações piores da que te aconteceu, e se calhar, nenhuma delas é novidade para ti, visto seres utilizadora de transportes públicos, sabes bem o que a casa gasta

    é por este comportamento anti-social que deixei de os utilizar. ou ando de mota, ou a pé e ando muito mais feliz, reduzi significativamente o convívio com gente estúpida, e isso também é qualidade de vida

    :)

    beijoca

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  6. Compreendo-te perfeitamente!

    Já agora dá um pulinho em:
    http://animaisemportugal.blogspot.com

    Cumprimentos,

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  7. Pois desde que vim de Paris que nunca mais andei em transportes públicos, mas é verdade que as pessoas acham que são donas do autocarro ou do metro.

    Tem as suas vantagens morar numa terrinha no supé de uma montanha...ahahahh

    Adorei a musica, está mesmo a precisar de ajuda....ahahahahah

    Beijokitas

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  8. Bom, eu já não ando em transportes há algum tempo, mas ainda me recordo o quanto desconfortável, sobretudo em horas de ponta. Gabo-te a paciência.
    Um beijinho e bom fim de semana*

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  9. podias ter-lhe indicado o caminho também por gestos.
    mas ele rosnou talvez assim mordesse...

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