terça-feira, 20 de julho de 2010

Do horror

Foi o meu primeiro dia no desterro para onde o accionista, cuja adequada adjectivação me absterei de reproduzir, por urbanidade e cortesia (e medo de represálias, vá), nos enviou.
Pese embora veja árvores muy belas da minha janela de um solarengo primeiro andar, e pese embora o relvado do edifício em frente seja bonito e aprazível, e não se ouvir senão o chilrear de um ocasional passarinho, não consigo perceber o entusiasmo dos meus colegas. Seguramente, se eu morasse em Algés ou Oeiras e pudesse ir almoçar a casa, aí talvez entendesse a grande vantagem de trabalhar em Carnaxide. Ah...Carnaxide, essa bela localidade. De certeza que muita gente foi - e é -, feliz em Carnaxide. Não me incluo no lote. Eu estive hoje em Carnaxide pela primeira vez e encontrei-me lá inacreditavelmente infeliz. Eu gosto de árvores, relva e pássaros, mas convenhamos que, tendo isto tudo mal ponho um pé fora de casa, afigura-se-me estúpido apresentarem-me esse tipo de argumentos para eu achar que sou a mulher mais afortunada do mundo por ter sido enviada para essa terra do demo. Especialmente quando isso me custa duas horas de trajecto. Quatro por dia no total. Convenhamos que há árvores mais perto, não? Não preciso apanhar três transportes colectivos para ver árvores, pois não? Hell, eu tenho árvores!!! Minhas. Em casa. Portanto, quanto aos argumentos botânicos se calhar guardamo-los para quem se impressione com isso.
Mas vá, nem tudo é mau. Tenho de ser justa, há coisas melhores que na Avenida da Liberdade. Senão vejamos, a casa de banho das meninas, por exemplo, já não fica dentro da sala da contabilidade. Não que os colegas que lá moravam andassem a monitorizar os nossos tempos de permanência ou a frequência das visitas, mas pronto, há um certo pudor em saber que a dois passos da porta está o M. No novo escritório, pelo contrário, a casinha fica longe dos gabinetes. Muito, muito longe. Ao fundo de um infindável corredor. Tão infindável que coloquei um lembrete para uns dez minutos antes de ficar mesmo aflita, para garantir que chego a tempo de não ter nenhum acidente pelo caminho. Estou também a reduzir o consumo de água, pelos mesmos motivos.
Outra vantagem de estar em Carnaxide é conhecer muitas pessoas. De muito perto. É de louvar o serviço de socialização que a Vimeca presta à população. Hoje, por exemplo, pude estudar de perto a dinâmica do membro da plebe ensonado e a suavidade da cadência que imprimiu ao seu reboludo corpo enquanto roncava interiormente. Digo interiormente porque não consegui ouvir nada por causa do barulho do motor do autocarro. Vimeca, se me lês, já era de renovar a frota.
Se há coisas piores do que trabalhar a duas horas de casa? Há, com toda a certeza. Digamos que o meu mau feitio é apenas da saturação à série de bocas parvas que tenho ouvido, entre as quais as dos tais colegas rejubilosos que se gabam de ir almoçar a casa. Ou da outra colega bem intencionada que me diz 'deixa lá, tens mais tempo para ler'. Eu por acaso até conheço outro verbo, que rima com ler, e pode ser igualmente lúdico, que podia aconselhar a quem me diz estas coisas. A minha religião não permite, mas quem quiser adivinhar está à vontade.

8 comentários:

  1. É uma pena que publiques tão pouco, porque as tuas observações ferinas arrancam-me sempre gargalhadas. Quem sabe converter a própria desgraça em motivo para riso tem sempre o meu respeito, odeio lamúrias. E convenhamos que duas horas diárias para cada lado são coisa séria, muito séria.

    «Estou também a reduzir o consumo de água, pelos mesmos motivos.» - aqui explodi mesmo a rir.

    Grande beijo.

    P.S. Nessas coisas funciono muito como os americanos, tornar casa e local de trabalho próximos. Fui trabalhar para Sintra: mudei-me para Sintra (de caminho, ia perdendo contacto com o mundo). Voltei a trabalhar em Lisboa: mudei-me para Lisboa.

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  2. Já trabalhei em Linda-a-Velha e confesso que não achei mau (mas o percurso era de cerca de 15 minutos, de carro).

    Mau, mau achei o Seixal (ah, que fazia o percurso na ponte ao contrário do trânsito, pois... sem contar com o Verão, que ia uma data de malta de boné e boina para a Caparica, às 8 da matina) e embora, mais perto, Santa Iria da Azóia, numa vivendo no meio de meia dúzia, onde só via gente de bata a tratar das suas hortas, sem haver uma loja por perto, exceptuando umas tascas... Iác!

    Mas pronto, quatro horas por dia em transportes é demais, por muito que se goste de ler! Mas já é a terceira vez que mudas de local de trabalho, não é?! Pode ser que voltem a mudar, com tanta inconstância... ;)

    Beijocas!

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  3. Teresa, também eu gostava de publicar mais! Não morasse onde Judas perdeu as botas (mas por opção, devo confessar) e teria mais paciência para chegar a casa e tentar ter uma rotina de escrita. Também tento não ir ao blogue durante o expediente, por uma questão de princípio. Sobra muito pouco tempo, mesmo. E depois, nem sempre me apetece, tenho de ser verdadeira.

    Eu sou muito mais tradicional que os americanos. First there's 'home'. E depois há tudo o resto. Não sou nada nómada, muito apegada às raizes e ao clã. E querias que fosse viver para Carnaxide??? ARGGHHHm a dor!!!!

    BEijos

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  4. Teté,

    Ah...15 minutos de carro. É o que eu faço também...até à estação do comboio :)

    O meu objectivo próximo é mesmo Sesimbra ou o Seixal. E esta é a sexta mudança de instalações na empresa. Se bem que eu tenha parado de contar à quarta...a estupidez é tanta, que nem vale a pena dissertar sobre ela. Digo apenas que saimos de um edificio que é nosso para ir pagar renda. O que está por trás? Não queremos mesmo saber. De todo.

    Beijocas

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  5. Van Dog,

    a etiqueta deve ser aquele tal de 'less is more' :)

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  6. Acho que isto não vai ajudar, mas eu trabalho em Carnaxide e estou doente, literalmente falando. Odeio, odeio e odeio o cimento!

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  7. Para entender a tua odisseia bi-diária teria de estar melhor informado quanto às distâncias percorridas e consequente eumento de despesas, aos meios de transporte disponíveis e riscos associados, aos horários dos transportes colectivos e tempo perdido, qual a tua perícia na arte do croché e o custo de matérias primas, etc. Comer pode ser uma actividade lúdica, no entanto só o será se a marmita mantiver a comida quente. Mas convenhamos, a casinha estar longe, muito longe dos gabinetes é um sofrimento e causa justa para um subsidio, ou não seria?

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