sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Das maldades boas que se fazem a mães octogenárias

Atraí a vítima com a promessa de um cházinho tranquilo em minha casa. Coisa corriqueira e que acontece amíude, já que a senhora minha mãe nunca diz que não a uma chávena de Earl Grey. Fui buscá-la de carro, como faria em qualquer outra ocasião. Se D. Micas fosse uma pessoa mais observadora talvez tivesse reparado no nervoso miudinho com que a apressei a entrar no carro, no facto bizarro de estar com o telemóvel ao colo, logo eu que NUNCA atendo chamadas ao volante, ou ainda na minha exasperação quando, já em domínio safiresco, em vez de se dirigir à porta para entrar me ficou pelo caminho a admirar a pseudohorta do quintal, com as couves espigadas e o limoeiro que nunca deu limões, e ainda voltou atrás para se já dava para apanhar alguma clementina. Completamente alheia ao facto de que lá dentro, escondidas na sala, 25 pessoas aguardavam a sua entrada para romperem em apoteótica celebração.

Entrámos. Do fundo da sala, do equipamento de Karaoke especialmente trazido para a ocasião, soltam-se as primeiras notas do Parabéns a Você. D. Micas olha em volta, sem querer acreditar. Batem-se palmas, grita-se SURPRESA!!!!!. Uma mole humana empurra-se para abraçar a aniversariante: sobrinhos que vieram de Trás os Montes, outros de Mindelo, família local e amigos. Há muitos sorrisos, mas também vejo olhinhos marejados de lágrimas, por entre as minhas próprias lágrimas. Mas são lágrimas boas. A alegria no rosto da minha mãe é uma coisa que não vou esquecer tão cedo. Nem as suas palavras comovidas quando a multidão em delírio exigiu um discurso. A modéstia impede-me de me alongar, mas as palavras 'filhas maravilhosas' foram mencionadas. E se há pessoa que mereça uma homenagem especial, essa pessoa é mesmo a minha mãe, a quem devo tudo quanto tenho*, e tudo quanto sou. E a quem tenho de agradecer por tudo quanto não sou, ou tento ferozmente não ser, tendo sempre o seu exemplo de rectidão e fortes princípios por baliza. 

Espero que conte muitos mais anos connosco para poder ainda retribuir-lhe muito do muito que nos deu e nos dá, todos os dias. A minha Micas é a MÁIOR!!!!!


*É certo que D. Micas também é responsável por coisas que não tenho, como o piano que lhe quiseram dar quando voltou de Paris e que declinou a pretexto da falta de espaço. Falta de espaço, D. Micas? Who cares! Era um piano!!!! e era DADO!!!! ARGHHHHHHHHH!!! sim, é um trauma de infância que ainda não superei totalmente). E também não vou falar do Castelo (la Gazaille) onde D. Micas não quis aceitar um emprego de governanta, negando-me o meu direito natural a crescer num palácio nobre. Nem vou comentar. Trinta e cinco anos depois ainda me dói fundo, na ialma... um castelo. Eu podia ter crescido num castelo. Ó infortúnio cruel, ó profunda ironia...Logo eu, que ainda acalento esperança de encontrar vestígios de sangue napoleónico algures nos meus tetravós paternos, tão perto estive da Glória Suprema...True Story.

3 comentários:

  1. Adorei este relato, Safira! Vi-me há uns anos quando a minha fez 90. No domingo fará 99 mas, infelizmente, não vou poder estar junto dela, porque a saúde não me permite viajar.
    A sua mãe fez anos ontem? No dia que também é meu?
    Beijinho e bom FDS

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  2. FANTÁSTICO!!
    Muitos parabéns!!! Dá-lhe uma beijoca GIGANTE nossa!!!
    :)

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  3. Embora atrasados, um grande beijinho de parabéns à tua Micas, desejando-lhe muitos e bons anos pela frente, com as filhas babadas por perto (pianos e castelos à parte)!

    Beijocas!

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