segunda-feira, 19 de março de 2012

Lembro-me vagamente de, há 31 anos atrás, ter um presente para o meu pai. A memória falha-me quanto à sua natureza, já não me recordo. Provavelmente, um lenço, ou umas meias. Ou uma esferográfica bonita. Naquele tempo, em que tudo muito mais simples, até uma pedra encontrada na rua podia ser um presente bonito, especialmente para uma miúda de 9 anos. Devo ter garatujado um postal com uma mensagem ternurenta e caligrafia aplicada, e provavelmente um desenho a acompanhar, e ofereci o todo com a felicidade ingénua das crianças que acreditam que a vida é imutável. Não é. Aprendi isso da pior forma, e logo no ano seguinte. Recordo-me do embaraço da minha professora, quando pediu aos colegas uma composição sobre o dia do pai. Eu pude escolher o tema. Já não me lembro sobre o que escrevi, mas a descriminação, por bem intencionada que tenha sido, deixou-me marcas. De alguma forma, foi o reforço da minha 'diferença'. Optei por bloquear a perda. Pura e simplesmente, não falava do meu pai. Nunca. Já aqui dei conta disso. 
 
Nunca mais pude desejar um feliz dia do pai. Não é fácil, ainda hoje, quantificar a enormidade da perda. Mais do que o pai, foi o amigo, o professor, 'aquele que sabia tudo e respondia às perguntas todas', o refúgio quando tinha medo. Quem me ensinou a andar de bicicleta e me obrigou a subir outra vez para cima do cavalo, depois de uma queda feia. Aquele que era tão doido por animais que teve camaleões, uma tartaruga fíníssima, que até ia passear aos domingos ao Champ de Mars. Que me apanhou uma rã, que viveu dois dias na banheira lá de casa. Que me deu um patinho, quando morávamos num apartamento! A minha loucura da bicheza não vem da minha mãe, no sir!

Não tenho o meu pai presente, mas não deixo passar a data em branco. É um ritual lá em casa. Neste dia, celebramos a memória. O 'presente' reverte para a minha mãe. Afinal, ela foi mãe e pai. Não dizemos nada. Ainda dói a todos, trinta anos depois. Por isso logo vou lá dar-lhe um beijinho e levar uma flor, ou uma planta. Algo vivo e simples, como são as coisas bonitas e importantes da vida.




5 comentários:

  1. Entendo-te perfeitamente. Eu já era adulta e ainda me custa, quase 28 anos volvidos...

    Uma grande beijoca para ti!

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  2. Sei bem como é esse sentimento de perda. O meu já partiu há mais de 30 anos e ainda lhe sinto a falta.

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  3. Um beijinho grande para ti e para a tua mamã! Não consigo imaginar o que sentes nestes dias...

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  4. Obrigada a todos. O tempo ajuda, mas a saudade fica sempre.

    Beijinhos

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