quarta-feira, 21 de novembro de 2012

So close


Visto que o manto frisado que me cobre a cabeça tem vida própria e nem sempre colabora, esta manhã atrasei-me e saí de casa à pressa, sem tempo de ir à pilha dos ‘livros a modos que levezinhos para ler no comboio’. Como estou de greve às imposições académicas até logo à noite, também não fui à pilha dos ‘livros não tão levezinhos que me aborrecem de morte mas me obrigam a ler para poder fazer os testes’. Resulta portanto que só tinha o providencial Destak para me entreter no comboio. O Destak é porreiro porque é de borla e, embora esteja um pouco aborrecida por terem suprimido a rubrica do horoscopo, o que me complica a vida porque fico sem saber o que me vai acontecer durante o dia, sempre é melhor ter meia dúzia de páginas para ler do que página nenhuma. Sim, mesmo que um jornalista ache que ‘edílico’ é uma coisa bonita de se escrever. Adiante.

Como ainda ninguém me ofereceu um IPAD (!), ao fim de três estações já o Destak estava lido e relido e eu prostrada na janela, profundamente entediada. Logo por azar estava tudo muito calmo, nenhuma conversa a que prestar atenção, nenhum toque de telemóvel ridículo sobre o qual cuspir veneno...nada. Só quando eu estou a tentar ler é que me entopem os ouvidos com parvoíces, mas claro, quando não tenho nada para fazer também não colaboram para minorar o meu tédio. Falsos!
Estava eu nestas considerações quando, de repente... VEJO-O! Olho de novo. O cabelo impecável. O ar aprumado. Não há dúvida: é mesmo ele na plataforma. Vai entrar na minha carruagem! Agito-me. Sinto a centelha da vida irromper-me pelas veias desencantadas. Aguardo que suba a escada e venha até ao primeiro piso (nós, os seres superiores,  não viajamos no piso inferior). Sobem duas simpáticas velhinhas e uma adolescente desgrenhada (não vou desencantar-te já, amiga, mas só para que saibas, isso do cabelo ter personalidade piora com a idade). Mas dele, nem sinal. NÃOOOOOOO! Ficou lá em baixo, com as massas (blargh). Um contratempo. Mas nem tudo está perdido; o maquinista, Deus o guarde, está do meu lado e as estações desfilam agora a velocidade estonteante. Concentro-me. Sei que ELE sai na mesma paragem do que eu, mas com tanta gente  não é garantido que o consiga apanhar sem danos colaterais. O comboio pára. Finalmente. Precipito-me pela escada, sem ceder passagem a ninguém. Estou focada. Quase lhe sinto o cheiro. Deus colabora; saímos ao mesmo tempo da carruagem. Roço no seu casaco. É um bom casaco. Um casaco caro. Decerto comprado com o dinheiro que recebeu do Benfica em 2009 para inventar aquele miserável pénalti que roubou a Taça de Portugal ao Sporting. Preparo o golpe, que se quer cirúrgico, e a parecer acidental. A mala da marmita, pesada de pescada em cama de legumes e arroz branco com tomilho,  retesa-se sob a força controlada do meu mortal braço direito. Calma, miúda. Nervos de aço. Tu consegues! No último segundo, um inocente atravessa-se entre nós. 'Sai, idiota, sai!!!'. Ele não sai. A ocasião perde-se. MALDIÇÃAOOOOO!!!

Atrás de mim, o marido diverte-se com o meu ar contrariado. Diz-me: ‘então, não o mandaste escada abaixo?’. Rosno, entre dentes: ‘não consegui’. Ele abana a cabeça, com um meio sorriso. Já sabe que sou insana. Também sabe que este leão nunca esquece...

We shall meet again, Lucílio Batista.   
MUAHAHAHAHHAHHAAHAHAHHAHAHAHAHAHAH...


Nota final da autora: esclarecem-se os passageiros da fertagus que viajaram esta manhã para Lisboa, incluindo o Exmo. Sr. Lucílio Batista, que em momento algum esteve a sua segurança comprometida. Os acontecimentos relatados são verídicos mas foram dramatizados por força da extraordinária capacidade criativa da autora que, pese embora aturadas reflexões sobre o assunto, ainda não conseguiu perceber por que não enveredou por uma carreira no disparate ficcional. 
Mais, esclarece-se que as conclusões sobre a qualidade do casaco do senhor Lucílio Batista são verdadeiras, mas que se ignora com certeza a proveniência dos fundos usados para o adquirir e que a autora apenas sugere uma explicação.
Esclarece-se ainda que não tem a autora qualquer preconceito quanto aos passageiros que escolhem viajar no piso inferior, pese embora considere que sejam feridos de julgamento deficitário porque os lugares em cima são muito mais cool!

3 comentários:

  1. comodista!
    para quê esperar que as coisas aconteçam?
    assim que ele entrou, sacavas das metralhadoras e ia caça-lo...

    ResponderEliminar
  2. O Lucílio a andar de comboio? Coitado! Logo um homem que até teve direito a uma taça com o seu nome.
    Gostei do estilo policial e bem humorado do post!
    Uma Agatha Christie perdida na Margem Sul?

    ResponderEliminar
  3. Ahahah, um belo thriller policial! Sugiro o título: "O Misterioso Crime na Fertagus" Ou será que "Leoa empedernida strikes again!" fica melhor? :)))

    Beijocas!

    ResponderEliminar