No meu curso de escrita criativa, feito há uns anos atrás na “Companhia do
Eu”, um projecto giríssimo da responsabilidade de Pedro Sena Lino, um dos
primeiros exercícios que nos foi proposto foi escrever uma história a partir de
um ponto de vista improvável. Lembro-me que tínhamos de fingir ser uma aspirina
(efervescente, presumi) prestes a ser ‘afogada’ num copo de água. Sairam dali
umas linhas bem engraçadas que, para além de nos valerem algumas gargalhadas, serviram
o propósito de deslocar o nosso ‘eu’ e as nossas experiências do centro
gravitacional a que estamos habituados e dar largas à criativadade, por mais
absurda que fosse a rota seguida. Pois que me lembrei disso agora porque recordo
que me senti feliz na pele de uma aspirina efervescente, com os ácidos acetilsalicílicos
aos saltos, mesmo que prestes
a falecer. Na história, a minha missão era nobre. Havia, portanto, um propósito
para a coisa. Hoje, depois de uma manhã inteira a inventar que fazer porque
alguém não quis pagar as licenças do software e o fornecedor as suspendeu, dei
por mim a pensar que realmente uma aspirina deve ter uma realização profissional
muito superior à minha.
Um dia, quando pouco mais tiver a perder, explico. Por hoje é só um desabafo de alguém muito farta de colossais erros de gestão e grosseiro desrespeito pelos colaboradores. Eu ainda sou do tempo em que as empresas não eram um depósito geriátrico de amigalhaços, ou de políticos wannabe, em que o parque automóvel não era mais importante do que o capital humano, e em que o fim último de um dia de trabalho não era a chegada da hora de saída. E, lá está, se eu fosse uma aspirina efervescente, não ficava a pensar nestas coisas.
Porque será que não é a primeira vez que oiço histórias semelhantes, mais coisa menos coisa, por esse país fora? Excluindo a aspirina, que isso é o alguns engolem, para lhes passar tamanha dor de cabeça... :P
ResponderEliminarBeijocas!
Nunca frequentei um atelier de escrita, mas esta estória da aspirina efervescente fez-me perceber o que perdi.
ResponderEliminarQuanto às suas queixas laborais, nem sei que lhe diga. Anda tudo pelas ruas da amargura. Seja no privado ou no público, a luta é pelo estatuto. Uma tristeza!
Beijinhos e boa semana