...Que não te vejo.
...Que não ouço a tua voz.
...Que não ouço o teu giradiscos a tocar os albums do Joe Dassin.
...Que não fico sentada em respeitoso silêncio a ver-te manusear os catálogos e os selos.
...Que não me ralhas quando desenho desalmadamente arabescos num papel, porque estou a gastar tinta da esferográfica para nada.
... que demasiadas coisas estão mais pobres sem ti e que odeio profundamente o mês de Janeiro.
Há 28 anos recebemos o telegrama do hospital. E eu, do alto dos meus 10 anitos, a armar-me em forte, fui buscar um vestido preto e vermelho, porque era o que de mais escuro tinha. Ninguém reparou que eu tinha mudado de roupa. Não era sequer importante, mas foi o que me ocorreu na altura. Tinha de mostrar que compreendia o que se passava, embora me quisesse dissociar porque doia demais e era uma mudança demasiado brutal.
Nunca falei da tua partida. As pessoas vinham ter com a mãe e eu via-a a chorar, mas eu nunca me fui abaixo em frente a ninguém. Quando me falavam de ti, desconversava. Para não dar parte de fraca, acho eu. Abafei a dor, e só a deixei sair muitos anos depois. Revoltei-me, culpei-te por nos teres deixado, culpei-te por uma série de coisas que não aconteceriam se cá estivesses. Fi-lo porque era mais fácil culpar-te a ti do que crescer um bocadinho e assumir as minhas próprias escolhas sem culpar o mundo e arredores.
Entretanto cresci. Hoje sou mais forte. Também graças a ti, e aos ensinamentos que retenho do pouco tempo que tivemos juntos. Afinal, foste tu que me ensinaste a andar de bicicleta e me ajudaste a acreditar que não ia cair. Foste tu que me disseste 'levanta-te e monta de novo' quando o cavalo me atirou ao chão. E eu chorei, porque tinha medo, porque me doia, mas levantei-me e voltei a montar o cavalo. Mais por orgulho que por vontade. Ainda hoje sou assim. E é este orgulho teimoso de que me lembro amíude e que me mantém de pé quando a vida não me corre bem. Tenho domado alguns cavalos. Tenho caido de muitos outroas ao longo da vida, como sabes. E lembro-me sempre daquele paddock poeirento e de comer areia, e das lágrimas a picarem-me nos olhos. Mas também me lembro do meu primeiro galope, do orgulho que senti por saber que estavas a ver e a sorrir de orgulho também. E essa vontade de te fazer orgulhoso acompanha-me sempre, embora nem sempre a entenda completamente.
Há 28 anos que tenho saudades. E que me pergunto como seria se ainda estivesses por cá. E resolvi dizer-to hoje. Levei 28 anos a chegar aqui, mas cheguei.
Beijinho, Pai.
Banda Sonora: Hurt - Christina Aguilera
Tens domado muitos cavalos sim, mesmo aqueles que não querem ser domados mas não têm mais remédio :D
ResponderEliminarTenho a certeza que o teu pai tem um orgulho enorme em ti (embora se penitencie por algum mau feitio...hihihihi)
Beijoca enorme minha amazona (sem qualquer sentido lésbico da coisa)
(sorry, não resisti á palhaçada, but your know me :) )
bem...
ResponderEliminarposso dizer que te compreendo muito bem?
saber que não se está só e que há "alguém" que sabe como sentimos é muito fraco consolo. dá quase vontade de dizer - fosses tu tão rezingona como eu - que com o mal dos outros posso eu bem...
e atá parece mal euzinha, que te vou lendo via google reader, apenas comento neste postal de hoje. mas não consegui resistir quando vi qual a música que puseste... e sabes? não consigo sequer escrever sobre como ela me faz sentir
(...)
Oh nina, nem imagino os cavalos que tiveste de domar desde então. Ou a tua coragem.
ResponderEliminarO teu papi está orgulhosíssimo de ti minina :))) está sim. :)
E é preciso coragem para estar assim em contacto com esses sentimentos. E expô-los assim, tão bem, e deixar-nos uma lagrimita marota no canto do olho.
Menina, escreve-me esse livro, que a minha mesa de cabeceira anseia por boas leituras. :)
Tens alma de artista, sabes. E és uma artista.
E o teu papi está a sussurra-te isso mesmo: vá, filhota, escreve um livro prás mesas de cabeceira desse mundo afora...
;-)
Estas são as saudades e essas nunca morrem minha querida Karine...
ResponderEliminarUm beijinho e um abraço apertado
PS. O mês de Janeiro é tão lindo!!! :D
Eu perdi o meu pai em Abril passado, por isso.... apenas te posso deixar um abraço.
ResponderEliminar*
Olá!
ResponderEliminarQuanto mais o tempo passa ....mais a saudade aumenta:=((
Beijocas
Como eu te entendo.....o meu partiu vai fazer 21 anos no dia 23 de Janeiro dia do meu aniversário...
ResponderEliminarTambém eu, em Paris, preparava a festa do meu aniversário quando recebi esse telefonema triste ...
Doí sempre.... e nem o tempo consegue apagar essa dor e essa saudade.
Beijokita linda.
...essa saudade faz com que eles vivam para sempre!
ResponderEliminarUm beijinho muito grande
Comovi-me com o teu texto, até porque me lembrou a partida abrupta do meu pai. Já tinha 25 anos, mas o choque foi idêntico e a reacção também! Não desconversava: tentava organizar as coisas, atender as pessoas, enquanto a minha mãe e irmã choravam de cabeça perdida. Não deitei uma lágrima nesses dias, só prái uma semana ou duas depois, sozinha em casa, se deu o dilúvio...
ResponderEliminarAté hoje também me pergunto se tudo não teria sido diferente se ele tivesse sobrevivido. O tempo atenuou a dor, mas a saudade ficou. Só quem nunca passou por isso é que não entende!
A partir desse dia fiquei com a nítida consciência que as coisas não acontecem só aos outros. Mas foi uma lição bem amarga. Para uma criança, provavelmente, ainda mais tenebrosa...
Beijocas grandes, amiga!
Eu já perdi o meu pai bastante adulta e numa altura em que, aparentemente, já o pai não nos ensina nada e já não dependemos dele. Sinto bastante a sua falta.
ResponderEliminarImagino tu. Fantástico pai o teu que tantas saudades e tão belo post inspirou!
Um beijinho muito, muito grande para ti, amiga.
ResponderEliminarE pronto... desmanchei-me a chorar enquanto que li as tuas sentidas palavras...
ResponderEliminarA saudade nunca vai acabar... e o teu pai tenha partido cedo demais... Teres 10 anos e passar por isso deve ter sido deveras dificil. Mas pensa que o teu pai estará num sítio de onde te vê todos os dias e sorri orgulhoso de ti.
Beijo grande!
Não sei quantificar essa falta, essa saudade e ler-te fez reflectir na fortuna que tenho de ter a companhia do meu pai caminhando ao meu lado.
ResponderEliminarUm beijinho grande